Perto de completar 20 anos de existência, Moriyama House continua sendo pra mim uma daquelas felizes coincidências que só ocorrem quando há uma combinação precisa de vários fatores ao mesmo tempo - e espaço.
Depois da morte de sua mãe, Moriyama-san decidiu demolir a casa onde morava com ela e escreveu uma carta para um arquiteto. O arquiteto era Ryue Nishizawa, que ganhou o Pritzker junto com Kazuyo Sejima, e sua resposta, de acordo com o maravilhoso documentário de Bêka & Lemoine - “Moriyama-San” - foi a seguinte: “Você não precisa de uma casa, você precisa de uma pequena vila no meio da floresta. Só que no centro de Tokyo.”





E assim foi. A pequena “vila” é composta por 10 blocos brancos erguidos com finas chapas metálicas de 6cm de espessura. Parte do programa era incorporar unidades que pudessem ser alugadas pelo proprietário, que passaria a viver da renda dos aluguéis. A partir daí, Nishizawa colocou em prática alguns conceitos que de certa forma já estavam sendo discutidos no campo da arquitetura do Japão, especialmente em Tokyo, como a dissolução dos limites do lote, o aproveitamento dos vazios (Urban Void Program) e o desmembramento da unidade em vários blocos, criando assim uma “micro-comunidade”, que conversa com as unidades vizinhas e estimula a interação entre seus moradores a partir das áreas comuns intencionalmente concebidas.
Essa interação fica bem evidente no documentário, que mostra um pouco da rotina do local, onde esses “gaps” são usados para fazer churrasco, estender roupas, assistir filmes ao ar livre com um projetor, beber e conversar. Uma abordagem mais padrão para esse programa provavelmente resultaria numa divisão do lote em duas ou três partes iguais e a construção de unidades separadas uma das outras. Além do aspecto estético, o brilhantismo do projeto fica por conta do aproveitamento total do terreno, dando significado pros “vazios” e, de quebra, combatendo um problema cada vez mais frequente na sociedade japonesa que é a solidão que atinge a população idosa.
Mas o mérito não é só do arquiteto. Nesse caso, o proprietário parece ter abraçado a ideia com o mesmo entusiasmo de quem a propôs. Moriyama tem uma vasta coleção de livros e discos. Gosta de cinema, noise music e arte em geral. Parece viver intensamente naquele espaço, com coração e mente abertos. Além do mais, Tokyo me parece um lugar ideal para abrigar tudo isso. Clima agradável pra uma vida do lado de fora, segurança incomum para uma metrópole desse tamanho e o fato de ser uma cidade que não se apega a quase nada.
Fazia tempo que queria ver de perto essa obra. Chegamos pela manhã, silenciosamente passando pelas ruas apertadas do entorno. Moriyama-san estava lá, cuidando do jardim num ritmo acelerado. Havia um gato descansando em cima de um dos blocos brancos. Alguns recados sobre fotografia e filmagem não muito convidativos, mas bem cabíveis, já que a casa ficou famosa e foi muito visitada e fotografada desde que ficou pronta. Moriyama-san ocupa 4 blocos e aluga os outros 6. Alguns inquilinos trabalharam no escritório do próprio Nishizawa e têm, obviamente, uma certa queda pelo bom design.
Não quis incomodar. Fiquei lá por cerca de 30 minutos, discretamente filmei, fotografei e fui embora satisfeito.
Tokyo, 05/2023.