O Santuário de Izumo, também conhecido como Izumo Oyashiro, ou Izumo Taisha é um dos mais antigos e mais importantes de todo o Japão. Localizado na cidade de Izumo, Província de Shimane, ele fica longe de uma rota padrão da maioria dos turistas que vem ao país por conta da distância para os principais centros, mas ainda assim é muito movimentado, especialmente nos primeiros dias do ano.
Todo o complexo é muito bonito, com os vários edifícios extremamente bem conservados dentro de um parque imenso aos pés do Monte Misen. O grande “torii” da entrada é seguido por um longo caminho de pinheiros que leva até um outro portal, o do santuário em si, com suas principais construções. Um destaque especial vai para o “Kagura-den”, do lado oeste, que possui na entrada uma enorme corda entrelaçada chamada de “shimenawa”, feita a partir da palha de arroz e comum em quase todos os santuários, só que aqui ela pesa nada menos do que 4,5 toneladas.

O principal salão do templo (Honden) - que é fechado aos visitantes - é uma reconstrução realizada em 1744d.C, mas a origem do Izumo Taisha ainda é incerta. Alguns escritos antigos sugerem uma data de construção bem anterior a essa e um desses escritos foi criado no ano de 970d.C por Minamoto no Tamenori, uma importante figura literária do período Heian. Nele, o santuário é descrito como uma das três grandes construções do Japão, junto com o Todai-ji Daibutsu-den em Nara e o Daigoku-den em Kyoto. O Honden como está construído hoje possui 24m de altura, mas acredita-se que o original tenha alcançado cerca de 48m, mesmo caso do Todai-ji de Nara, que também é uma reconstrução em escala menor do que já foi um dia.



Apesar do ceticismo em torno da viabilidade técnica de uma construção desse tamanho usando madeira, um outro documento chamado “Kanawa Gozōei Sashizu”, que era uma espécie de manual para construção de templos e santuários, sinalizava a presença de imensos pilares de madeira com aproximadamente 3m de diâmetro que eram formados por três pilares menores, de 1,2m de diâmetro unidos com uma braçadeira metálica, dando algumas pistas a respeito das técnicas empregadas na época, para uma construção desse porte. Ainda assim, não parecia uma evidência muito convincente.
Isso mudou entre os anos de 2000 e 2001, quando uma extensa escavação arqueológica no local acabou por revelar o que sobrou de três conjuntos de pilares de cedro unidos exatamente da mesma forma como descritos nos antigos documentos, dando fim ao longo mistério e adicionando um belo capítulo a essa história milenar. A posterior análise de datação por radiocarbono concluiu que esses pilares foram instalados por volta de 1248d.C, data que coincide com os documentos que provavelmente foram parte de algum projeto de reconstrução do santuário. Apesar da certeza em relação a pelo menos um aspecto de sua estrutura, seu design final original continua sendo uma incógnita.

Um pouco mais a leste do santuário encontra-se o Shimane Museum of Ancient Izumo, que abriga uma vasta coleção de artefatos encontrados na região desde o período Jomon. Cerâmicas de várias eras, escritos, sinos de bronze, espadas, rochas, dioramas do cotidiano local e, claro, uma parte dedicada ao Izumo Taisha, que mostra, entre outras coisas, algumas proposições de como seria seu formato original de acordo com todas as evidências recolhidas. Dentre elas, há uma estrutura em escala 1:10 no centro da galeria que talvez seja a configuração mais provável. Esse design contaria com uma escadaria de impressionantes 109m de comprimento para dar conta de subir os quase 50m de altura, o que não é de se espantar, já que por aqui é normal ver templos e castelos no topo de algum caminho íngreme, como se precisássemos sofrer primeiro antes de merecer a vista do determinado local.



No Japão, os primeiros três dias do ano geralmente são marcados por visitas a santuários xintoístas e templos budistas que ficam abarrotados de gente pedindo graças para o novo período que se inicia. Essas primeiras visitas recebem o nome de “Hatsumōde”, e foi justamente nesse período que visitamos o Izumo Taisha, de forma que ainda não deu pra ver tudo com a devida atenção. É o grande evento de qualquer templo/santuário. Dezenas de barracas de comida nos arredores, esquemas especiais de tráfego de veículos, e filas intermináveis de gente seguindo os ritos que lhes foram transmitidos desde pequenos, como a compra de pequenas tiras de papel (omikuji) com predições sobre vários aspectos da vida para o ano que se inicia. Tipo um biscoito da sorte, só que mais completo. Se a mensagem for positiva, a pessoa geralmente a guarda para si; se for negativa, ela é amarrada em uma tela própria ou em torno de um pinheiro.
Via de regra, cada santuário xintoísta cultua uma divindade diferente e no caso de Izumo, essa divindade atente pelo nome de “Ōkuninushi no Kami” (Grande Deus da Terra), conhecido como Deus da Agricultura, mas famoso também pelo poder de estreitar os laços entre as pessoas; sejam eles profissionais, familiares ou amorosos. Quase um Santo Antônio japonês, se você preferir. Por causa disso, como se já não bastasse a importância que o local possui, o santuário virou uma espécie de hotspot entre casais. Para se ter uma ideia da seriedade do assunto, durante as orações os visitantes aqui batem palmas quatro vezes ao invés das duas tradicionais: duas vezes para si e outras duas para o parceiro atual - ou o desejado.

Dos três conjuntos de pilares encontrados durante as escavações, um deles foi movido para o museu e os outros dois continuam no terreno do santuário, devidamente enterrados e sinalizados no piso atual pelo desenho de três círculos inseridos dentro de um círculo maior, bem em frente à escadaria que leva ao Honden. E entre a horda de fiéis clamando por um futuro melhor, casais e encalhados de todas as idades, o passado desse local magnífico permanece ali enterrado, embora não menos importante. Um dos maiores tesouros arquitetônicos do Japão não precisa nem de uma fachada original definida. E isso, por si só, já é uma baita aula de arquitetura. Assim como outros aspectos da cultura japonesa, a materialidade aqui é secundária. Há um mito que diz que nos primeiros dias do mês de novembro, todos os deuses xintoístas reúnem-se para tratar de assuntos pertinentes ao povo japonês. No país inteiro, esses dias são chamados de “kannazuki” (mês sem deuses), mas aqui em Izumo, o nome muda para “kamiarizuki” (mês com deuses), pois acredita-se que esse encontro acontece precisamente no Izumo Taisha.